sábado, 16 de maio de 2015

Tempo de ser criança

   
      Cadê o amigo imaginário? Com quem as crianças ficavam horas e horas brincando, e, algumas vezes, era o convidado do jantar?
      E aquele trapo velho que se tornava o manto da princesa?
      Ou aquela toalha que era a capa de super-herói?
      Será que a lateral de sofá deixou de ser aquela montanha intransponível para os carrinhos voadores, nas mãos de uma criança?
      Mato e flor deixaram de ser a iguaria preparada para o jantar das bonecas amigas?
      E aquelas brincadeiras com regras malucas que a gente nunca mais entendeu?

      Hoje, as crianças não precisam de amigo imaginário para ficar no computador ou videogame. Tem roupinhas de boneca tão, ou mais lindas, do que as de gente. Existem circuitos com loopings fantásticos, carrinhos elétricos e de alta velocidade. Tem até papinha de boneca e a boneca chega a fazer xixi e cocô nas fraldas! Prá que imaginar, se já tem tudo pronto? Ah, e brincadeiras? Tudo tem que ser educativo, afinal, para que perder tempo com brincadeiras que não levam a lugar nenhum?!

      Sinceramente, estou assustada. Vivemos uma época em que está cada vez mais comum crianças com 2-3 anos saberem ler e escrever! Aí, mães encantadas correm para tentar estimular cada vez mais essas crianças com jogos educativos e atividades estimulantes.

      E o tempo de ser criança?!
      Tempo para aprender a ler e escrever, elas terão de sobra! Vão precisar fazer isso para o resto de suas vidas. Mas, e o tempo de brincar sem hora para acabar? Vivendo só aquela fantasia do momento, sem que isso tenha que servir para alguma coisa no futuro?
   
      O grande privilégio de ser criança é que, para ela, só existe o tempo presente. Ela não precisa viver o passado, nem o futuro. E estamos tirando isso delas! Até porque tudo tem que ter hora marcada. Hora de acordar para ir para escola. Na escola, existe a hora de brinquedo, a hora de atividade, a hora do parquinho, a hora de comer e a hora de ninar. Ai da criança que estava no meio de uma grande luta entre o herói e o vilão, mas tocou o sinal e todo mundo tem que mudar a atividade. (é, sei que não tem jeito!)
      Para onde está indo a criatividade? E o faz-de-conta? Até as cantigas de criança estão sendo consideradas politicamente incorretas e só ensinamos as educativas.( Não que eu concorde que "atirei o pau no gato" seja a música ideal para as crianças, mas todos nós cantávamos e sobrevivemos. Se bobear, maltratávamos menos os animais do que as crianças atuais!). Todas as atividades tem que ser direcionadas? Tudo tem que estimular e não se pode "perder tempo"?
      Não me admira a geração de ansiosos que estamos criando. Além disso, os jovens, cada vez mais, são do tipo que iniciam e interrompem projetos, como quem troca de roupa. Não se vinculam afetivamente porque não precisam de gente, basta ter rede social.
      Reclamamos desta geração de crianças com déficit de atenção e hiperatividade, mas somos nós que os enchemos de estímulos o tempo inteiro. A mamãe grávida que fica ouvindo música clássica para o bebê, os móbiles coloridos e com musiquinhas, os brinquedos educativos, tablets, celulares e videogames... Como a professora, na escola, vai poder ganhar mais atenção do que todos esses atrativos?

       Talvez esteja surgindo uma nova geração, a das crianças superestimuladas. Nesse mundo, em que tempo é dinheiro, parece existir uma pressa muito grande em "adiantar" as fases de desenvolvimento das crianças. Basta ver em porta de escola, as mães se gabando que o filho já sabe contar até 1000 ou que já sabe ler, ou que fez um comentário "altamente" amadurecido!
      Mas, pense bem, tem aqueles que começaram a dar seus primeiros passos aos 10 meses e aqueles que só aprenderam a andar com 1 ano e meio. Hoje, todo mundo anda igual! Qual a vantagem?!
      Atropelar a infância, com certeza, vai levar a grandes lacunas sócio-emocionais. Assistir 500 vezes o mesmo desenho, já antecipando a fala do personagem é menos educativo do que passar de fase naquele jogo didático do computador?! Os estudos comprovam o quanto é importante brincar. Ao imitar e imaginar as situações no "faz-de-conta" a criança simula as relações futuras. Ao repetir as falas dos personagens, ela internaliza algumas reações que vai precisar ter quando crescer.
      Vai existir um momento ideal para que eles se dediquem aos estudos, enveredem por caminhos desafiadores e superem as expectativas. A busca desta sabedoria, de estarmos presentes, apoiando e estimulando no tempo certo, sem atropelarmos cada fase que o filho vive é uma das missões mais difíceis de entendermos.
      Mas, hoje, só quero pensar naqueles pequenininhos:
      Cadê o tempo de ser criança?!
 

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