sexta-feira, 30 de maio de 2014

Morar fora... é tornar-se um estrangeiro!!!

   
      Há 24 anos, logo após o término da residência em Otorrinolaringologia, fiz um intercâmbio de 1 ano no Japão. Meu estágio foi no Hospital Escola ligado à Universidade de Tohoku, em Sendai, na região nordeste (o epicentro do terremoto que precedeu o famoso tsunami de 2011). Antes da viagem, fizemos um curso preparatório  organizado por ex-bolsistas (ASEBEX) que nos orientou em muitos aspectos, desde "etiqueta", costumes, cultura e até aulas de karaokê. Entendendo a cultura do povo para onde a gente vai se mudar, a adaptação fica muito mais fácil e, ao respeitarmos seus costumes e tradições, fica mais natural para eles nos aceitarem.
   
      Um dos meus grandes "dilemas" de adolescente foi saber quem eu era. Como sou sansei (neta de japoneses) sempre me sentia em dúvida sobre minha Pátria. Naquela época, eu só convivia com a colônia, então, de uma certa forma, não me sentia tão "brasileira" assim. Por outro lado, ao chegar no Japão, tive a maior convicção de que eu não era japonesa. Sei que nos dias de hoje, os jovens são globalizados, ou seja, todos eles são parte do mundo inteiro! Mas ter uma Pátria, é mais do que torcer para o Brasil na Copa. Nas universidades americanas estudam alunos de diversos países, cada qual com sua cultura e tradições. O sentimento de termos uma Pátria nos traz uma convicção de identidade, ou seja, nos faz entender um pouco mais sobre quem somos. Eu assisti todas as manifestações pelo impeachment do Collor lá de fora. Na época, tive um orgulho danado de ser brasileira. Os japoneses me perguntavam como é que tantos jovens de "caras-pintadas", fazendo um imenso carnaval, conseguiram depor um presidente corrupto sem violência! Hoje, o contexto político é outro, mas quem estiver lá fora será brasileiro do mesmo jeito. Fica então uma boa reflexão a ser feita: o que significa ter uma Pátria?!

      As amizades, como as conhecemos aqui no Brasil, acho que são únicas. Nosso envolvimento com os amigos é muito profundo. Acho que não será fácil encontrar este tipo de relacionamento fora daqui (é claro, que muitos ainda conviverão com muitos amigos brasileiros, mas a minha "dica" seria criar vínculos com pessoas do mundo inteiro, e não passar todo o tempo possível apenas com os brasileiros)

      Isso significa que, ao estudar fora, tudo vai mudar. Não só os amigos serão outros, mas o conceito de amizade será diferente. Muitas vezes, será difícil encontrar alguém que pensa e sinta como você. Além de não compreender os outros, você também pode não ser compreendido. Por outro lado, os amigos daqui do Brasil, também vão seguindo seus próprios caminhos e aquele contato intenso irá diminuindo.

      Na realidade, o que mais me impactou foi quando eu voltei. Tudo bem que naquela época não existia internet, então eu me "isolei" muito dos meus amigos. No começo, trocava correspondência (era carta pelo correio, que demorava um tempão para chegar, rsrsrsrsr!) Mas, depois de um tempo, essas cartas iam rareando, e enfim, fui perdendo o contato com aqueles amigos com os quais convivia todos os dias.  Ao voltar, a readaptação aqui foi muito mais difícil do que a adaptação lá. Eu olhava ao redor e sentia quase uma traição:
      "Como assim, todos os meus amigos sobreviveram sem mim? Cada um seguiu um caminho diferente e eu não faço mais parte da rotina deles??! "

      Então, nos primeiros anos, quando eles vierem aqui passar algumas "férias", vão matar as saudades da sua turma, vão reunir todos os amigos e vai ser aquela festa. Mas, aos poucos, cada um terá novas prioridades. Quais serão seus verdadeiros vínculos além da família?
      Quando estive fora, foi o momento que mais valorizei a minha família! Descobri quão profunda é a ligação que temos com o nosso verdadeiro LAR. Saber e sentir que temos um "porto seguro" nos dá muita força! Dá a certeza de que não estamos sozinhos! Esse nosso papel de mãe, mesmo que tão longe,  mais do que nunca, será valorizado!!!

      Preocupamo-nos muito em eles estarem prontos para ir. No entanto, existem vários aspectos que irão se transformar. Lá, eles se tornarão "estrangeiros" e ao retornarem para cá, já não serão os mesmos. Precisamos estar prontas para compreender todas essas mudanças, e entender que aquele filho, como os conhecemos agora, não retornará igual. E isso é muuitoo bom!!!!  Precisamos nos preparar para não guardar a imagem deles como uma foto! As lembranças que teremos serão as de agora,  mas eles vão viver muitas coisas longe de nossos olhos, e vão mudar. Voltarão muito diferentes, mas com as mesmas raízes!

   
   
   
   
   

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