terça-feira, 10 de março de 2015

De geração em geração

      Imagine uma criança que nasceu no interior de São Paulo há mais de 70 anos, mas foi criada em Mato Grosso (na época em que tudo era, literalmente, só mato grosso). Morava em casa de pau-a-pique, com telhado de sapé. Foi a caçula de 11 irmãos, tendo estudado apenas até o equivalente ao 5º ano atual.
      Imagine também uma criação de bicho da seda. Para quem não sabe, é a larva de uma espécie de mariposa, usada na fabricação de fios de seda. Ela se alimenta compulsivamente de folhas de amoreira. Em uma criação familiar, as crianças desde bem pequenas (5-6 anos) precisam ajudar a alimentá-las, acordando as 4 horas da madrugada para o trabalho. Assim, ele estudou apenas até o 6º ano.
      Essa é a história de meus pais. Tiveram uma infância inimaginável para as crianças dessa era tecnológica que vivemos. Sem ter muito estudo, mas trabalhando demais, conseguiram criar e educar 3 filhas. Nós 3 somos médicas, e estamos oferecendo aos nossos filhos o "top" da educação atual.
      Desde pequenas sempre ouvíamos: "não vamos deixar para vocês bens materiais, mas a melhor herança que vocês terão será a educação". Fizeram o que nem podiam, para que nós 3 pudéssemos estudar. Graças a eles, tivemos condições de cursarmos Medicina, nas melhores universidades deste país.
         
      São esses os valores que passamos aos filhos. Vale a pena batalhar pelo futuro. Ser feliz é ter uma vida produtiva.

      A geração atual quer tudo na mão, desde o "fast food" até os relacionamentos em que "fica-se" com alguém enquanto não há problemas, mas se algo não dá certo, cada um segue seu caminho. Não se "perde tempo" para cultivar um projeto de longo prazo, seja ele no âmbito pessoal, acadêmico ou profissional. O mundo está muito imediatista. Muitas vezes, busca-se uma profissão, seja porque o vestibular é mais fácil ou porque se pode ficar rico logo. Busca-se avidamente uma felicidade fugaz: se não estou feliz agora, vou buscar a felicidade em outro caminho.

      Muitos pais querem tão bem seus filhos que acabam fazendo mal. Costumo orientar meus pacientes falando:
      - Imagina que tenho um bolo aqui, maravilhoso, de chocolate. Seu filho te pede um pedaço. Eu te aviso que o bolo está estragado. Você vai ter coragem de dar um pedacinho a ele? É óbvio que não. Não importa o quanto ele chore, "sofra" ou faça escândalo.
      O problema é que muitas vezes, os pais não enxergam quando o bolo está estragado, acreditando que estão somente dando "felicidade" ao fazer todas as vontades dos filhos.
   
      Outro conceito que muitos pais acabam passando é que estudar é sofrimento: "Tadinho, tá estudando tanto!" (Ninguém fala: "tadinho, tá ficando tanto tempo de férias!").
      O que é ser feliz?! Alguém acredita que aqueles que estão estudando e se formando nas melhores universidades, são mais infelizes do que aqueles que não estudam? Muito pelo contrário, eles se sentem extremamente felizes por terem a oportunidade de estudarem tanto!
   
      Meus pais deram um pulo social tremendo, graças aos valores que tinham e nos passaram. É isso que tento perpetuar. Eu e meu marido trabalhamos bastante, tentando oferecer as melhores oportunidades aos nossos filhos. Por outro lado, os dois se dedicam muito, valorizando os estudos, sabendo priorizar suas responsabilidades e conquistas de metas. Sabem abrir mão de prazeres que curtem, mas visando algo maior, lá na frente. Acreditam que a felicidade vai muito além de "viver o agora".
       
      De geração em geração vemos os frutos de tudo que foi semeado. A felicidade existe muito além do sacrifício que meus pais fizeram a vida toda. Hoje, ao verem os netos encaminhados, eles valorizam cada momento sofrido que já tiveram.
      A felicidade é um fruto a ser colhido a longo prazo.



   
   
   

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